Fortaleza está virando um deserto!, Por Sérgio Quixadá – Arquiteto, Paisagista e Historiador

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Não importa apenas o que o termômetro marca. Importa também, ou sobretudo, a sensação térmica, que pode ter diferença de muitos graus com relação ao termômetro.
Costumo explicar a sensação térmica da seguinte maneira: em um dia de muito calor você coloca duas pessoas sentadas a um metro de distância uma da outra e coloca um ventilador apontado para apenas uma delas. Uma estará confortável enquanto a outra sofre com o calor. Mas se você colocar um termômetro na parede, pouco acima da cabeça de cada uma delas, verá que os termômetros marcam a mesma temperatura, embora a sensação térmica percebida por cada uma seja completamente diferente.

Quando fiz meu MBA em Políticas Públicas Inovadoras, meu trabalho de conclusão de curso teve como título: “Arborização Urbana – Uma questão além da estética”.

Para isso bebi na fonte de vários cientistas e pesquisadores do Brasil e do mundo.
O subtítulo “Uma questão além da estética”, se deve ao fato de durante as minhas pesquisas eu ter descoberto que a arborização não apenas embeleza e faz sombra, mas tem influência na economia de energia, no comércio, no turismo, nas enchentes, nas secas, na biodiversidade, na segurança de trânsito e na saúde física e mental.
As pessoas me perguntam: Por que hoje em dia chove em Fortaleza e não refresca?
A resposta é: pelo mesmo motivo que jogar água em uma chapa quente não irá refrescar a cozinha.

O concreto durante a noite, libera de 50 a 55% do calor que recebeu durante o dia. O asfalto de 90 a 95%. É um sol sem luz de baixo para cima. E A brisa, originalmente fresca, corre sobre o asfalto e entre concretos, qual tubulação de aquecedor, tornando-a quente.
Estudos indicam que uma grande árvore influencia a temperatura até mesmo a 50 metros de distância da projeção da sua copa.
O que fazia Fortaleza ficar fresca durante dias após uma boa chuva era um fenômeno chamado EVAPOTRANSPIRAÇÃO, que é a junção da evaporação de parte da água que penetrou no solo livre e permeável com a transpiração das árvores em forma de vapor frio.

Com a pavimentação da cidade, quer seja com asfalto, quer seja com concreto, perdemos os benefícios da EVAPOTRANSPIRAÇÃO.

E assim surgem as ILHAS DE CALOR, que são áreas mais quentes do que o seu entorno rural. Mais quentes do que deveria ser em sua localização geográfica.

O grande paisagista Roberto Burle Marx já dizia: “A sombra de uma árvore será sempre mais fresca que a de uma marquise!”

A falta de áreas verdes e a impermeabilização do solo cria múltiplos problemas. Quando chove o solo não absorve a água, provocando inundações. E os poços ficam secos, pois não recebem a água, que corre toda para o mar. As construções em dunas agravaram a questão hídrica, pois elas são grandes coletoras naturais de águas pluviais.

Estudos nos EUA, Canadá, Austrália e Japão, indicam que cidades com ruas e avenidas arborizadas, onde a população frequenta parques, tem menores índices de depressão, suicídios, homicídios e crimes sexuais.
Fortaleza está em uma posição geográfica privilegiada. Em local alto, reparem que descemos bastante para ir à praia, tanto na Beira-mar quanto na Praia do Futuro. Temos um vento constante e com direção previsível. A barreira de edifícios influencia no clima? Sim, influencia, pois são construídos muito próximos uns dos outros, criando a geometria do cânion urbano. Era preferível terem permitido altura maior mas com grandes recuos por todos os lados.

Algumas árvores chegam a absorver um quilo e meio de micropartículas por dia. A falta de árvores e áreas verdes que absorvem a poeira urbana agrava os problemas alérgicos e respiratórios. Quando chegam os meses de agosto e setembro, os postos de saúde ficam lotados de pessoas de todas as idades, com crises de laringite, faringite, asma, rinite e por aí vai. Dizem que é o pólen do cajueiro. Nada disso! O pólen do cajueiro tem o peso específico alto. Ele não voa. E onde é que tem cajueiros hoje em dia? A questão é que agosto e setembro são meses de ventos fortes. E sem áreas verdes, todo o pó fica em suspensão.
Isso sem contar os altos índices de câncer de pele e catarata pela falta de sombra.
Paro por aqui para lançar o meu protesto: Fortaleza está se transformando em uma pedra ao sol. A avenida Antônio Sales não tem árvores. As árvores da Bezerra de Menezes foram cortadas. A avenida Aguanambi também está sem árvores. Quando foram expandir a av. Washington Soares cortaram as árvores e fizeram uma ciclovia de uns 30 km sem sombras. Cortaram as árvores da Avenida Dom Luís. O calçadão da Praia de Iracema e grande parte da Beira Mar não tem árvores. Os bancos ficam expostos ao sol.
E agora cortaram as árvores da S. Dumont em direção às dunas. Como se pode caminhar em uma cidade assim?
Estamos ficando pior que as cidades do Norte da África e Oriente Médio, pois lá é subtropical e tem estações frias.
Fortaleza se transforma em um deserto de concreto e asfalto com suas terríveis ilhas de calor. Um verdadeiro inferno ecológico!

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