Por maioria, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, nesta terça-feira (30 de novembro), habeas corpus (HC 201965) e anulou quatro dos cinco relatórios de inteligência financeira (RIFs) elaborados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) que embasaram a denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro no caso das chamadas “rachadinhas”, ocorrido quando ele ocupava o cargo de deputado estadual.
Para o colegiado, o compartilhamento desses dados foi ilegítimo, porque realizado a partir de comunicação direta entre o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) e o Coaf antes mesmo que houvesse autorização do Tribunal de Justiça local (TJ-RJ) para instaurar procedimento investigatório criminal contra o parlamentar estadual.
Movimentações atípicas
A investigação começou a partir do recebimento de um RIF em que o Coaf alertava sobre movimentações atípicas entre as contas do então deputado estadual e de servidores da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Em seguida, o MP-RJ solicitou a produção de quatro RIFs complementares sobre as operações financeiras realizadas por Flávio Bolsonaro. Com base nas investigações, ele foi denunciado pela prática, em tese, dos crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, peculato e organização criminosa.
Procedimento formal
O relator do HC, ministro Gilmar Mendes, observou que os relatórios foram produzidos a partir de julho de 2018, quando Flávio Bolsonaro ainda era deputado estadual, mas ele só foi formalmente incluído no procedimento investigatório em março de 2019, configurando, a seu ver, uma “investigação disfarçada”.
Para o ministro, as peças informativas produzidas pelo MP-RJ e pelo Coaf estão em desacordo com as regras fixadas pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE), com repercussão geral, em que ficou estabelecido que o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira depende da existência de “procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional”.
Mendes destacou que o MP-RJ, de forma indevida, pediu diversas informações sobre as empresas das quais Flávio Bolsonaro seria sócio-proprietário, o valor de seus rendimentos mensais, quantias recebidas por transferências, despesas com cartões de créditos e outros valores destinados ao pagamento de financiamento imobiliário, o que não é possível sem autorização judicial.
O relator concluiu pela nulidade dos RIFs posteriores ao primeiro espontâneo recebido pelo MP-RJ e pela imprestabilidade dos elementos probatórios colhidos em relação ao senador, porque o procedimento investigatório foi realizado sem autorização ou supervisão do TJ-RJ. Acompanharam esse entendimento os ministros Ricardo Lewandowski e Nunes Marques.
O ministro Edson Fachin ficou vencido, ao entender que não houve ilegalidade nos procedimentos.
Foro
Também por maioria de votos, a Segunda Turma julgou improcedente a Reclamação (RCL), apresentada pelo MP-RJ contra decisão do TJ-RJ que tirou da primeira instância o processo contra Flávio Bolsonaro referente ao caso e remeteu os autos ao Órgão Especial daquela corte.
Entre outros pontos, o colegiado entendeu que a reclamação é inviável, uma vez que não ficou comprovado desrespeito à decisão do STF na questão de ordem na Ação Penal (AP) 937, em que o Plenário estabeleceu que a prerrogativa de foro só é possível para fatos ocorridos durante o mandato ou em função dele. Mendes explicou que, naquela ocasião, o Supremo não apontou uma definição precisa para a situação ocorrida neste caso: a troca de mandato legislativo estadual por mandato federal, sem que houvesse interrupção.
Ficou vencido o ministro Edson Fachin, que votou pela procedência da reclamação para cassar a decisão do TJ-RJ e declarar a competência do juízo da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro para julgar eventual ação penal contra o senador.