66% dos municípios brasileiros não têm capacidade para enfrentar desastres

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Catástrofe no RS: Capacidade dos municípios brasileiros de resistir frente a eventos climáticos extremos é considerada baixa - Foto: Lauro Alves/Secom-RS›
Catástrofe no RS: Capacidade dos municípios brasileiros de resistir frente a eventos climáticos extremos é considerada baixa - Foto: Lauro Alves/Secom-RS›

Quando a plataforma Adapta Brasil do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação aponta que 3.679 municípios brasileiros, ou seja, 66%, têm baixa ou baixíssima capacidade adaptativa para desastres geohidrológicos, é possível vislumbrar a severidade do problema a que estão suscetíveis os cidadãos brasileiros. Essa constatação de despreparo mostra que a adaptação climática — que requer ações urgentes diante dos efeitos das alterações do clima já sentidas à pele — é um ajuste que precisa ser incorporado por todo o país de forma transversal.

Ao apresentar o mapa da capacidade adaptativa dos municípios em recente audiência pública na Comissão Mista Permanente sobre Mudança Climática, a secretária nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ana Toni classificou a situação do país como muito vulnerável.

— Ali no Rio Grande do Sul, a parte sul do mapa mostra que esta era uma região com uma capacidade razoável de adaptação à mudança do clima. E olha o que a gente está vivenciando, isso em uma região que tem alguma capacidade de adaptação. Imagine nos estados do Norte do país que estão em vermelho, muitos do Nordeste, do Centro-Oeste que estão em vermelho. A nossa capacidade adaptativa é muito falha. Por isso, [é preciso] colocar foco na adaptação, prevenção, mitigação, é com este olhar que a gente está colocando para o Plano Clima, afirmou Ana Toni.

Desde 2009, o Brasil conta com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) que apresenta conceitos importantes (veja quadro) e aponta diretrizes para atuação. Essa normativa tem entre seus instrumentos o Plano Nacional sobre Mudança do Clima e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. Agora, o Senado recém-aprovou projeto de lei (PL 4.129/2021) com regras gerais para a formulação de planos de adaptação às mudanças climáticas nas três esferas federativas (saiba mais abaixo).

Essas normativas trazem dois conceitos importantes a serem definitivamente implementados: a adaptação às mudanças climáticas e a mitigação, temas em debate nesta edição da série Emergências Climáticas, que a Agência Senado publica para mensurar o impacto das tragédias climáticas, como as recentes perdas do Rio Grande do Sul, que não estão restritas a questão ambiental, mas que também transbordam para as tangentes do econômico e do social.

—  A gente já passou pelo El Niño e está chegando a La Niña. A pergunta é o que a gente já tem que fazer agora, que tipo de prevenção vai ser necessária em termos de alimentação, em termos de futuras irrigações, lógico que não dá no imediato, mas a gente já precisa pensar em termos de água para aquela região porque a gente sabe que alguns desses rios vão secar. Isso não é bola de cristal. Isso se chama ciência e a ciência já está nos apontando para que a gente mostre um pouco esses caminhos. Agora, para isso, a adaptação e a prevenção e logicamente a mitigação têm que virar prioridade — afirma Ana Toni.

Adaptação e mitigação
A adaptação climática e a mitigação são faces da mesma moeda, mas com diferenças significativas, segundo o consultor legislativo do Senado em Meio Ambiente, Matheus Dalloz.

— Quando se fala em mitigação em matéria de mudança do clima, na verdade está se falando em mudanças da economia e da sociedade para que se evite uma piora na situação climática. Então, quando se fala dessas metas de corte de emissões dos gases de efeito estufa, é a mitigação, que é diminuir as consequências das atividades contidas na economia e da sociedade humana sobre o clima.

Já a adaptação climática é o retorno disso. Ou seja, quando se cria consequências no clima, colhem-se os problemas.

— Como é que a gente reage para evitar que esse problema que nós mesmos criamos não traga consequências graves sobre a sociedade diretamente? E aí, a gente está falando de adaptação. Perceba que são faces da mesma moeda. A mitigação é a gente diminuir a consequência das nossas ações sobre o clima. E a adaptação é diminuir as consequências da mudança do clima sobre nossas vidas — expõe Dalloz.

Fundadora e presidente do Instituto Talanoa e criadora da iniciativa “Política por Inteiro”, que monitora as políticas públicas ligadas às questões climáticas e socioambientais, Natalie Unterstell afirma que a adaptação não está restrita a moderar danos, mas pode ser também uma forma de aproveitar oportunidades associadas às mudanças climáticas, como, por exemplo, usufruir da maior insolação para placas solares.

— Mas a adaptação mais importante é aquela que a gente possa se proteger e isso tem a ver com intervenções. A gente sabendo que as cidades vão, por exemplo, ter que enfrentar chuvas muito mais fortes, por um período maior de tempo, que elas desimpermeabilizem parte do seu território para poder acomodar essa chuva. Façam intervenções urbanas. Então a adaptação é muito real, muito prática e tem que ser muito visível.

A probabilidade de ocorrência de eventos catastróficos, como o ocorrido no Rio Grande do Sul é aumentada pelas emissões de gases estufa, pelo aquecimento global, explica Natalie Unterstell.

— Então a gente tem que trabalhar justamente pra reduzir as nossas emissões de modo que eventos como esse não sejam tão fortes, tão difíceis. Por outro lado, a adaptação aumenta a nossa capacidade de acomodar eventos como esse. Da gente reagir melhor. É por isso que a gente precisa das duas coisas, da chamada mitigação e também da adaptação.

O mundo já vislumbra bons exemplos de adaptação, como na Holanda, onde foi feita a elevação do Porto de Rotterdam ou em Veneza, na Itália, onde se trabalhou para fazer uma regulação das cheias. Mas os exemplos não estão retidos em países desenvolvidos.

Na África, lembra Natalie, criaram-se mecanismos financeiros para poder ajudar a quem precisa quando há quebras de safras decorrentes de desastres climáticos.

— Essa reação é rápida. A gente tem situações das habitações sociais, enfim, moradias em geral que quando as pessoas as constroem por exemplo em Moçambique, elas já recebem instruções de como fazer com os materiais mais adaptados, do jeito mais adaptado. E a adaptação é coletiva. A gente precisa de soluções que vão olhar para o entorno, para o todo, e isso a gente só consegue com políticas públicas e com relações boas entre o setor privado e público — destaca a presidente do Talanoa.

Em debate no governo federal, o Plano Clima para o período 2024-2035 tem entre seus planos setoriais de mitigação a agricultura e a pecuária; o uso da terra e florestas; cidades, incluindo a mobilidade urbana; energia (elétrica e de combustíveis); indústria; resíduos e transportes. Além de incluir parte dessa lista, os de adaptação também congregam questões como biodiversidade, igualdade racial e combate ao racismo, povos indígenas e comunidades tradicionais, segurança alimentar e nutricional e oceano e zona costeira. Com informações da Agência Senado.