Vaqueiros e Dragão do Mar, um encontro promovido pela cultura há 25 anos

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A exposição já recebeu mais de 1 milhão de visitantes - Fotos: Hiane Braun/Casa Civil
A exposição já recebeu mais de 1 milhão de visitantes - Fotos: Hiane Braun/Casa Civil

Chão rachado pela seca, roupa de couro para se proteger das veredas da caatinga, debaixo do sol quente de “rachar o quengo”, gritos entoados para não perder o gado, montado em um cavalo – como os primeiros de sua profissão – ou em uma moto – como os mais modernos. Essa é a descrição do vaqueiro. É com esse “cavaleiro do sertão” que a população cearense se encontra, há 25 anos, no Museu da Cultura Cearense (MCC), localizado no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), na sua mais longeva exposição, a Vaqueiros.

Esse tesouro cearense é guardado dentro das paredes de um equipamento igualmente importante para o Estado, que leva o nome de outro tesouro cearense – Dragão do Mar – e que também completou 25 anos este ano. Durante o período de férias, a exposição pode ser visitada, de forma gratuita, das 9h às 18h (último acesso às 17h30), de quarta a sexta, e das 13h às 18h (com acesso até as 17h30) aos sábados e domingos.

“A gente não tinha só curiosidade por mostrar algo que é tão próximo da nossa realidade, mas também tínhamos um desejo de mostrar esse Ceará interiorano, porque muito se divulgava – e ainda se divulga – o Ceará praiano, mas temos um Estado muito diverso, e, regiões, em pessoas e cultura” – foi com essa fala que a historiadora Valéria Laena, presente na “expedição” ao Sertão, que deu origem à exposição, descreveu da onde nasceu a necessidade de montar a exposição Vaqueiros e de mantê-la durante tanto tempo.

Pedaço de quem somos

“Esse personagem, vaqueiros, foi quase que natural que a gente elegesse ele como tema da nossa primeira grande exposição, que seria, inclusive, para durar dois anos, e hoje já temos um quarto de século. É realmente uma exposição que agrada muito, agradou muito e continua agradando”,compartilhou Valéria Laena. A equipe formada para a expedição foi formada por museólogos, antropólogos, historiadores, documentalistas e fotógrafos.

A Vaqueiros tem forma de exposição multimídia, que leva desde peças pertencentes a vaqueiros, passando por reprodução de ambientes interioranos, chegando a áudios e vídeos das atividades realizadas por esses personagens, já dialogava com a contemporaneidade na época de seu lançamento. E hoje ainda encanta os que a visitam. Para a historiadora, a exposição constrói uma relação de “laço afetivo”.

“Agradamos turistas internacionais e nacionais, mas sobretudo a população local. A população local, eu sinto que tem uma relação afetiva muito forte, porque é muito comum as famílias trazerem alguém que chegou na sua casa, de fora, para visitar. Elas chegam na Vaqueiros para mostrar um pedacinho de quem somos. É uma exposição que acolhe bem”, comentou. “A gente já fez uma pesquisa, há um tempo, perguntando ‘você quer que tire vaqueiros?’ e a população disse que não, não aceitaram. A Vaqueiros é uma das nossas joias”, completou.

Cavaleiros do Sertão

A exposição de arte mais longeva do MCC, em cartaz desde 1999, traz para a Capital a presença do “caboclo quase índio, mais branco que negro, mais índio que branco, montado em seu cavalo, acompanhado de seu cachorro, vestido em seu gibão de couro, o vaqueiro é o cavaleiro do sertão”, como descreveu o mestre do teatro cearense, Oswald Barroso.

A Vaqueiros leva o público a encarar o dia a dia e a conhecer Francisco Salvino, Moisés Uchoa, Luis Preto, Taciani Silva, Zé Marçal, Antônio Pinto Guimarães, Hermes José Gomes, Pedro Uchôa, Zé Mauro, Kennedy e Dina Martins – a única mulher no grupo, Mestre da Cultura Cearense, e que conta sua história, na Vaqueiros, através do Aboio em versos.

“Fico triste quando vejo, no meu sertão sem chover… O açude sem ter água, sem dar o que o gado beber. O campo sem ter forragem e o povo todo a sofrer… ôô êêê… Morrem as crianças de fome e as galinhas no terreiro. O gado morre de sede na presença do vaqueiro. Só quem resiste é o bode na sombra de um juazeiro… ôô êêê…”.

A historiadora Valéria Laena contou que, para o material mais completo, não foi apenas o vaqueiro estudado, mas tudo que se volta a ele. “A gente passa por tudo que faz com que exista o vaqueiro. Na exposição, a gente tem início no boi, como ele chegou ao Brasil, que raças vieram para cá, onde a gente ver a representação do boi. E depois, entramos no homem, nesse ser múltiplo. E a gente também entra no meio ambiente, porque ele é parte desse meio, até a vestimenta dele é para proteger da vegetação da caatinga, que é cheia de espinhos”, explicou a historiadora. “O momento que o vaqueiro adentra a caatinga, é o momento que ele se sente mais orgulhoso da sua profissão”, completou.

O acervo de 130 peças contém peças originárias de escambo, ou seja, pertencentes a vaqueiros adquiridos por meio de troca. “A pesquisa realizou alguns escambos e, por exemplo, a gente tem a exposição de uma cama feita a partir do couro de um animal, do interior de Morada Nova. Para essa peça estar aqui, trocamos por uma cama moderna na época. As pessoas [que eram abordadas] ficavam assustadas, sem entender nada”, relembrou. “Na exposição também temos portas com marcas de ferreiros, também foi resultado de escambo”, continuou.

A exposição entra na realidade do Cavaleiro do Sertão por meio de fotografias da vegetação da caatinga, retratos de vaqueiros (as); de instalações (casa do ferreiro, casa do seleiro, casa de vaqueiro, cercas, chocalhos, casarões de Icó-CE, sons do aboio); de vestimentas de couro (gibão, chapéu, luvas e botas de couro); utensílios domésticos de couro (cama, bancos); de utensílios de trabalho (marcas de ferrar, selas, chicotes, carros de boi); além de vídeo da vaquejada, e de elementos de festividade e religiosidade (máscaras de reisado, imagens de santos).