Para não se incriminar, coronel Helcio se cala na CPI; senadores apontam contradições

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Alegando ser tratado pela CPI da Pandemia como investigado e não como testemunha, o coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente da ONG Instituto Força Brasil (IFB), permaneceu a maior parte do depoimento em silêncio quando questionado pelos senadores. Nas vezes em que ele abriu exceção e se manifestou no depoimento desta terça-feira (10 de agosto), disse que já estava com reunião confirmada com o Ministério da Saúde quando conheceu o reverendo Amilton Gomes de Paula, dirigente da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos (Senah) e os representantes da Davati Medical Supply, Cristiano Carvalho e Luiz Paulo Dominguetti.

Na condição de testemunha, o depoente foi beneficiado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e recorreu mais de 50 vezes ao instrumento para não responder questões que poderiam incriminá-lo. A negativa gerou críticas dos membros da comissão.

— É verdade que o depoente tem o direito de permanecer calado, mas naquilo que o incrimine. O presidente da CPI tem o poder, sim, de dizer: “esta pergunta não o incrimina e eu gostaria de ouvir a sua resposta”. E lá na frente podemos discutir na esfera judicial — observou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Nas poucas manifestações, o coronel Helcio afirmou que o pedido de reunião com o Ministério da Saúde foi feito formalmente no dia 3 de março. O encontro aconteceu no dia 12 do mesmo mês para tratar sobre a inclusão da iniciativa privada na processo de vacinação no país. Segundo ele, foi a própria pasta que comunicou o compartilhamento da reunião com os demais participantes. O coronel da reserva disse que no dia 9 de março conheceu Amilton no Instituto Força Brasil, quando o reverendo informou a participação dos representantes da Davati na reunião e a apresentação da proposta de 400 milhões de doses da AstraZeneca ao ministério.

— Nesse sentido, imbuído de boa-fé e acreditando na seriedade da Davati a partir do pedido da Senah, aceitou-se compartilhar a agenda do IFB no Ministério da Saúde com a referida empresa. E foi somente nessa ocasião que vim a conhecer o senhor. Cristiano Carvalho e o senhor Luiz Paulo Dominguetti.

De acordo com o depoimento do representante da Davati à CPI Cristiano Carvalho integrantes do Instituto Força Brasil o receberam em Brasília com o reverendo Amilton Gomes e teriam o ajudado a fazer essa ponto com o ministério.

Jantar
O tenente-coronel disse ainda que não tinha amizade e proximidade com o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. Ele também negou que estivesse presente em qualquer encontro, inclusive no jantar do dia 25 de fevereiro onde teria sido feito o pedido de propina de US$ 1 por dose para se avançar na negociação para as 400 milhões de doses da AstraZeneca.

Após a afirmação, senadores apontaram contradições no depoimento do coronel. O relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), exibiu imagens de um almoço entre os participantes da reunião do dia 12 logo após o encontro, inclusive com a participação de Elcio Franco.

— Veja de que forma vossa senhoria trata esta Comissão Parlamentar de Inquérito! Disse aqui, insistiu, que nunca tinha participado de jantar — apontou Renan Calheiros.

A senadora Simone Tebet disse o depoente mentiu.

— Vossa senhoria acabou de faltar com a verdade. Almoço ou jantar, a pergunta do relator foi: o senhor tinha intimidade ou não com o nome proposto [Elcio Franco]? Vossa senhoria jantou ou não, teve alguma comunhão de mesa com os personagens? E vossa senhoria disse mais de uma vez que não. Isso é faltar com a verdade.

Fake News
Sob investigação na CPI das Fake News e no inquérito sobre fake news que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ong Instituto Força Brasil, segundo Helcio Bruno, não recebeu financiamento do governo federal ou órgão público. Ele também afirmou que o instituto não patrocina sites acusados de divulgarem notícias falsas. No entanto, os senadores acusaram a Ong chefiada pelo coronel Helcio de propagar e financiar canais de notícias falsas e negacionistas da pandemia, levando milhares de pessoas à morte no país.

— Eu acho que é de interesse de todos os senadores aqui da CPI, porque, independente de apoio ou não ao governo, negacionismo ou não, essas publicações são muito fortes. São publicações que induzem as pessoas a tomar essas atitudes: a não usar máscara, a dizer que não pega em todo mundo… E isso foi acontecendo ao longo do tempo — observou o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Algumas imagens e vídeos dos sites Awake Giants Brasil, Verdade dos Fatos e Crítica Nacional, ambos repercutidos pela própria página do IFB na internet, foram exibidos pelos senadores. Muitos deles faziam referência a publicações de cunho negacionista e de ataques a instituições como o STF e aos trabalhos da CPI.

O senador Humberto Costa (PT-PE) observou o fato de que alguns depoentes, como o coronel Helcio, fazerem esse tipo de publicações na internet mas, quando se apresentam à CPI, negam ou resolvem se calar.

— Só que quando a pessoa vem para cá, vem com a decisão do Supremo de que ela não pode responder sobre coisas que possam incriminá-la. Veja qual é a consequência disso, num pensamento lógico. É que as pessoas tinham consciência de que aquilo que elas praticaram e continuam praticando são crimes, deveriam assumir, não deveriam simplesmente chegar aqui e negar tudo o que aconteceu.

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) questionou uma declaração de Otávio Fakhoury, vice-presidente do Instituto Força Brasil (IFB), segundo a qual patrocinava projetos na área digital. Na. mesma linha, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apontou para a disseminação de mentiras pelo Instituto Força Brasil, que contaria com a mão de obra de 400 pessoas, a espalhar fake news e atrapalhar o combate à pandemia.

Financiamento
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) questionou como um site, dito conservador e que propaga propaganda ideológica, tem relação com vacinas, negócios e influência dentro do governo. Para ele, ao decidir se calar o depoente não se compromete em ser transparente, como disse ser o propósito do IFB.

— Respeito o seu direito de ficar calado, mas é importante dizer à nação brasileira que o senhor prega a transparência, mas o senhor não faz a transparência. O seu instituto nós não sabemos nem quem financia. E pela estruturação do seu instituto, ele não é barato — ele não é barato. Tem dinheiro e tem dinheiro alto aqui nesse instituto, e o senhor não diz de quem é, nem demonstra com transparência de onde vem esse dinheiro. OK, o senhor diz que não é do governo, mas de onde vem esse dinheiro? O senhor não diz, o senhor fica calado — observou Eduardo Braga.

Aos senadores, o depoente se restringiu a informar que sua atividade profissional é a de “consultor operacional” de algumas empresas e que no caso das vacinas, o contato com os representantes da Davati foi encerrado no dia 12 mesmo, já que as negociações não teriam avançado por falta de documentação.

Beep Saúde
De acordo com Helcio Bruno, o IFB tinha como objetivo na reunião com o Ministério da Saúde tratar sobre a mudança da legislação para que a iniciativa privada fizesse a vacinação no país. Com a recusa do depoente em se aprofundar no conteúdo, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, recorreu à memória da reunião elaborada pela própria pasta.

O senador apontou que representantes da BR Med e a Beep Saúde, empresas de insumos, participaram do encontro e apresentaram, na ocasião, propostas para que a pasta da Saúde apoiasse a mudança de normas para a entrada da iniciativa privada no Plano Nacional de Imunização. O que não aconteceu porque o projeto não avançou no Congresso Nacional.

Indiciamento
Na avaliação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) a CPI já possui provas que certificam a participação de Helcio como lobista na intermediação entre a empresa Davati e o Ministério da Saúde para eventual compra de vacinas contra covid-19. Para Alessandro Vieira, Helcio seria o responsável pela intermediação entre o “grupo de estelionatários” que oferecia vacinas em nome da empresa Davati e o Ministério da Saúde. O indiciamento do coronel é inevitável, disse o senador.

— O documento que comprova a atuação direta do coronel Helcio Almeida nessa negociação com a Davati já está em posse da CPI e eu tenho certeza que o indiciamento vai se impor.

Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO), a CPI não está aprofundando as investigações e que os depoimentos “em nada estão contribuindo”. Ele disse que a comissão não consegue apurar provas de corrupção no governo federal.

— Eu não faço defesa personalíssima de quem quer que seja. E nesse caso aqui envolvendo o Dominguetti, o Cristiano e essa patota toda, me parece fazer parte de uma grande organização criminosa.

Já a senadora Soraya Thronicle (PSL-MS) fez uma defesa dos trabalhos da CPI da Pandemia e informou que a comissão já recebeu milhares de documentos de todo o país. Ela sugeriu que os senadores governistas analisem os documentos referentes a seus respectivos estados, pois deverão encontrar documentos importantes para as investigações. Agência Senado